"O câncer curou minha depressão". A real história por trás da entrevista!

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

 Imagem: Janaína Arruda

Demorei para soltar esse post porque estava "cozinhando" ele dentro de mim...
Primeiramente porque saiu no jornal impresso no qual trabalhava, mas não consegui ficar plenamente feliz... Por decisões de editores acabou virando mais uma "matéria sobre câncer", daquelas que caem no lugar comum e previsível.

Acontece. Não que o tema não seja relevante e válido! Pelo contrário, é e muito!
Mas queria um foco diferente, e esse foi meu primeiro aprendizado como jornalista. Mesmo com um conteúdo foda, dependendo de quem editar, vai cair no lugar comum, aquele chão seguro para onde todos vão... O que não faz parte da minha essência, nunca!

Questionar, contrariar, virar tudo de ponta cabeça se for preciso, essa é minha essência!

Então aqui, trago a entrevista na íntegra e um link para verem o Frankenstein que se tornou! Desde já agradeço por lerem essa história incrível da Jô e se puderem compartilhar porque foram inspirados  por ela, ficarei imensamente feliz!

Lembro que em uma conversa com Jô na calçada do outro lado da rua em frente de casa, enquanto seu marido - meu primo - colocava água no motor do carro que teimava em não pegar, ela me disse essa frase, que para mim, que luto contra depressão, soou como um soco na boca do estômago e um murro no meio da cara! Fiquei desnorteada!

Que potência! Que mulher! Passou tudo isso na minha cabeça atordoada!
"O câncer curou minha depressão", dessa forma! 

Pensei comigo, as pessoas precisam ouvir essa história! Precisam se inspirar também! Dai surgiu a ideia da entrevista, que agradeço aos céus por ela ter aceito!

O CÂNCER CUROU MINHA DEPRESSÃO!

Uma inspiração de vida!

Por Janaína Arruda com supervisão de José Trindade

A frase título dessa entrevista causa um impacto e uma imediata interrogação na cabeça. Como assim ou não entendi, são as mais comuns.

Ela foi proferida por Josélia Rodrigues Ribeiro, mulher, empreendedora, mãe e esposa de 33 anos. Ela também foi modelo na sua juventude, com seus longos cabelos cacheados e olhos verdes. Só uma coisa atrapalhava sua completa felicidade junto sua família. Ela sofria de uma tremenda depressão. Josélia conta com muita clareza que tentou suicídio três vezes. Só que, como num passe de mágica surgiu uma doença, ainda mais terrível para qualquer ser humano, mas para ela não.  

 Imagem: Arquivo Pessoal

Aos 32 anos, há um ano e meio, em um auto-exame de rotina descobriu um nódulo, que após exames e busca da própria pelo diagnóstico correto, se constatou a notícia que ninguém quer ouvir: carcinoma e uma das formas de tratamento que nenhuma mulher quer passar: mastectomia (a retirada total da mama)

Mas ao contrário de pessoas que ouvem o diagnóstico e se abalam, questionam a vida e vêm seu mundo ruir. Ela se sentiu esperançosa, como há tempos não se sentia. Pois, segundo ela “foi quando tive vontade de viver”. E para isso precisaria de forças que não tinha antes, devido à condição clínica de depressão, para lutar. A seguir, Josélia nos conta como foi seu processo.

 Imagem: Janaína Arruda

Janaland Como era sua vida antes ter um diagnóstico de câncer?
Josélia: Bom, eu passei por um processo de depressão muito forte. Assim, a vida para mim não tinha sentido nenhum. Eu quis me matar, tentei suicídio três vezes. Tomei medicação e tem coisas que não lembro muito bem. Tem coisas que eram tão fortes, que tinha dia eu não conseguia levantar da cama. Não conseguia, não queria nem tomar banho, não conseguia dar amor para minha filha, para meu marido. Eu tava me entregando, literalmente (sic). Eu queria morrer! A minha vida tava de cabeça para baixo. 

Janaland E essa depressão você tratava ou não estava tratando nesse momento?
Josélia: Não, eu não estava tratando. Até porque as pessoas acham que depressão é uma coisa banal. Que você está inventando, que você está fingindo, para obter alguma coisa. Até que meu esposo começou a me analisar e viu que estava muito grave o que estava acontecendo comigo e me levou no médico, e ai eu fui em uma psicóloga maravilhosa que, eu acho que tem tudo a ver você conhecer uma pessoa, um psicólogo que se identifica com você. E consegue passar para você aquilo que você precisa saber. Porque tem coisas da gente que nem a gente sabe! Então a gente precisa descobrir “quem é você”. Então para mim conhecer ela foi maravilhoso! E eu comecei a me tratar com ela e ela nunca falou o que eu deveria fazer. Eu já tinha ido em outros psicólogos, mas eles sempre queriam me mostrar o que eu tinha de fazer e para mim não era isso. Eu queria descobrir o que eu tinha de fazer por mim mesma, e não alguém falando “você tem que ser assim”. E ela me mostrou, me fez ver o que eu era. E ai eu comecei a me descobrir. 

 Imagem: Jéssika Arruda

Janaland Quantos anos você tinha quando você começou a tratar a depressão?
Josélia: Eu estava com 32. Tem um ano e pouco. 

Janaland E dentro desse tratamento que estava fazendo, quando descobriu seu câncer e que tipo era?
Josélia: Então, toda a minha depressão foi por causa de um problema familiar. Eu tinha problema com a minha irmã que me afetava muito. Eu tinha muita mágoa dela pelo que tinha acontecido. E aquilo, a amargura, a raiva, o rancor, a mágoa, amargam você de verdade por dentro. Eu sentia o gosto amargo daquilo que eu sentia na minha boca! E aos poucos eu sentia que estava adoecendo, e já não era mais somente um problema psicológico. Eu sentia que era um problema físico mesmo. 

Janaland Você apresentou algum sintoma? Alguma coisa que te levasse a achar que estava doente?
Josélia: Sim, eu sentia fraqueza, mal-estar... E, um belo dia, fui tomar banho e eu fui fazer o auto-exame. A minha mãe já teve câncer de mama e eu senti um nódulo, pequenininho. Era uma coisinha bem pequenininha, no banho. E ai, eu chamei meu marido e falei para ele “Rô, é o seguinte, eu descobri um nódulo! ”. Ai ele falou “ah, mas não é nada!”. E eu falava “eu sei que é”, porque eu já tinha tido outros nódulos, mas não eram como esse. Procurei ajuda médica, e eles não me diagnosticaram com câncer. Falaram que não, não era. Mas eu sentia que era. Então fui mais a fundo e procurei outro médico, que me passasse novos exames e então veio a confirmação.

Janaland Então foi você que teve de buscar até ter o diagnóstico? E qual foi o tipo de câncer?
Josélia: Sim, eu tive de buscar. É um carcinoma ductal invasivo. É um câncer de mama. 

 Imagem: Jéssika Arruda

Janaland O que sentiu quando, depois de ter ido atrás, constatar que era esse o diagnóstico?
Josélia: Quando surgiu a primeira dúvida, ainda na primeira médica, eu chorei. Essa médica é uma senhora bem de idade que me disse “Eu não vou tratar de você se você chorar! Eu não trato de mulheres fracas! Eu trato de mulheres guerreiras!”. E aquela palavra ficou ecoando dentro de mim, e eu pensei “cara, eu sou fraca”. Naquele momento eu falei para mim mesma “eu sou fraca, de verdade eu sou fraca”. E eu me identifiquei como uma pessoa fraca. E fui para casa, e falei, se confirmar eu não vou mais agir como uma fraca! E eu me lembrava de coisas que minha psicóloga falou para mim, bem no começo do tratamento. Coisas que não faziam o menor sentido na época que ela falava e naquele momento começaram a fazer sentido. E foi aí que eu comecei, falei “Não”. Meu esposo, minha mãe e minha sogra foram buscar o resultado da biópsia, e no que eles trouxeram o resultado, chorando, eu falei “vamos parar”. Eu não quero! Eu falei que sou uma guerreira, a doutora falou que sou uma guerreira. E não sou uma guerreira que vai lutar uma guerra que vai perder! E dai para frente comecei a lutar mesmo! Eu não me sinto doente! Eu não me sinto uma portadora de câncer, eu não me identifico com isso! E durante esse caminho que percorri, que conheci muita gente, pessoas com problemas mais graves que eu, e a cada pessoa que conhecia me sentia mais fortalecida! E as vezes vejo pessoas com o mesmo problema que eu, ou até menor que eu que se entregam. E eu sinto que eu posso! E passar um pouquinho da alegria que eu sinto dentro de mim para elas. 

Janaland Você não teve o medo de se entregar em algum momento, ainda mais com um diagnóstico de câncer e tendo depressão?
Josélia: Na realidade eu sinto que o meu câncer curou minha depressão, que uma coisa veio para suprir a outra, porque antes eu queria morrer e hoje eu quero viver. Parece que eu precisava de um choque real. Acredito que Deus faz tudo de uma forma que tem que se encaixar. No momento eu não tenho uma religião, mas acredito em uma força maior! E que Deus escreve certo por linhas certas, mas a gente que entende errado. E eu entendi que isso tinha de vir para me dar aquele choque porque hoje eu sou muito feliz! Porque eu não imaginei que iria ter tanta gente do meu lado, tanta gente que me amava de verdade, porque na depressão você é cega. Quando você está com depressão ninguém te ama, você é a vítima, você é a coitada. Você se coloca numa posição de coitadinha (sic). Só que com o câncer se você fizer isso é adeus, não tem volta. Não dá para mudar o pensamento como na depressão e tá legal. Não, o câncer não tem volta! 

Janaland Como está sendo o tratamento?
Josélia: Eu comecei fazendo quimioterapia neoadjuvante. E no começo o diagnóstico foi de carcinoma incito não invasivo, mas meu médico não confiou no diagnóstico, pois achou que estava mais avançado. Então ele me sentou na maca, segurou na minha mão e disse “minha querida, eu vou tirar a sua mama, você está com câncer e ele é invasivo e não está no começo como está dizendo esse laudo. Quero que repita essa biópsia”. Foi uma mistura de choque e de confiança, porque um médico, do SUS, que olha nos seus olhos e fala com tanta segurança, é maravilhoso, Dr. Farina, ele é muito humano!

 Imagem: Jéssika Arruda

Janaland O que passou na sua cabeça quando ele disse isso (mastectomia)?
Josélia: Um pouco de medo sim, não vou dizer que não senti medo, porque senti. Eu tinha mais medo da quimioterapia, não de tirar a minha mama. Porque desde quando descobri, o meu marido demonstrou muito amor mim, e isso é muito importante, o apoio da família. Que quando você é casada e você é jovem e vem uma coisa e fala assim “vou tirar sua mama”, imagina? Seu marido também é jovem né? E ele olha para você e diz “não casei com você pelo seu peito, não casei com você pelo seu corpo, casei com você por sua alma”. Não preciso de mais nada! Vou ter medo do que? Né? Estou de boa! Estou bem! Estou bem amparada! 

Janaland Mas chegou de acontecer algum momento que ficou para baixo, como “tiraram minha mama” e agora?
Josélia: Depois que eu tirei a mama sim! Durante a quimioterapia, que meu cabelo começou a cair, eu resolvi cortar. Porque ele era bem comprido, e cortei mais curto para mim não sentir muito o baque. Porque eu sempre mantive meu cabelo comprido e eu cortei ele. E no dia que passei a mão no meu cabelo e saiu aquele tufo, pensei “começou, agora começou”, realmente estava começando o tratamento e eu chorei, mas pensei “isso não vai me deixar para baixo”, e me lembrava de muitas palestras que assistia, sobre espiritualidade e pensei “isso vai me ajudar”. E eu comecei e não focar no que estava acontecendo, mas na melhora que iria ter. Eu não focava naquilo. Pensava isso vai passar logo, daqui a pouco eu estou com meu cabelo grande de novo, e assim foi indo. 

Janaland Então você desenvolveu um otimismo para passar por cada etapa?
Josélia: Eu procurei tentar viver o presente, porque se você viver muito no passado e ficar pensando “eu não posso ficar triste, eu tenho depressão”, ou lembrar de quando era modelo, que tinha vaidade uma época da minha vida, e ver meu corpo totalmente desfigurado hoje. Mas depois que eu tirei a mama ninguém falava que eu estava doente. Nem as enfermeiras acreditavam quando estava no hospital para a cirurgia, por eu ser tão alegre quando me internei. Eu sempre dizia, não ter porque eu estar triste, se você andar no corredor eu tenho certeza que vai encontrar alguém pior que eu. Eu tô bem, eu tô feliz! Eu vou tirar isso de mim eu falava. Que iria tirar a doença. Era só isso que eu pensava! Vai dar tudo certo! Depois que operei e me olhei no espelho pela primeira vez, eu senti o baque, e falei “tirou mesmo”. Porque você ficar imaginando é uma coisa, mas se dar de frente com a realidade é outra completamente diferente! Parece que eu não senti minha perna sabe? Aí comecei a entrar numa neura, sabe, “e agora, o que vai ser de mim? ”. Queria até mandar meu marido embora, sabe, vai viver sua vida! Me fazer de vítima! O que na realidade é um truque da mente, porque ela está viciada em se fazer de vítima. E eu peguei no ar! No dia que eu fiquei com isso, fiquei o dia inteiro remoendo aquele pensamento de tristeza, de se sentir par abaixo, que eu estava feia, que estava horrorosa e geralmente quem tem depressão, no final da tarde começa a ficar mais forte. E eu sentia que ela vinha! Como Monja Coen diz, você percebe quando ela está vindo de novo. E quando começamos a sentir isso, já conhecemos aquele sentimento. E eu disse “não”. Eu estou assim agora, e eu tenho de aceitar minha condição. Tanto que não coloquei nenhuma prótese (de silicone) e coloquei na minha cabeça que eu não estou assim porque eu quero! Estou assim porque infelizmente foi uma consequência. E estou bem comigo mesma!

Janaland E você tem algum plano para o futuro? Você pensa nisso?
Josélia: Sim, acho que nunca pensei em futuro como eu penso agora! Porque antes tanto fazia correr para baixo ou para cima. Agora não! Agora que senti o gosto da vida, que vi que ela vale a pena ser vivida, e vivi tudo errado. Sei que viver é bom demais e não vale a pena se jogar! Eu saio, me divirto, não me interessa o que as pessoas estão pensando. Eu quero é viver! E meu plano para ao futuro é: eu quero ajudar o máximo de pessoas que conseguir no caminho que eu estou e para isso tenho um grupo de apoio de meninas que fazem tratamento no WhatsApp. E trocamos informações, levantamos uma a outra! 

 Entrevista por Jéssika Arruda

Janaland Faz acompanhamento psicológico?
Josélia: Não, não sinto necessidade. O que penso hoje, se alguém tem problema que não consegue lidar, procure uma ajuda psicológica! Porque muitas pessoas desistem do tratamento antes mesmo de saber se vão vencer ou não! E quando vêm com aquele olhar de pena para mim, eu digo, “nem vem, porque eu não tenho planos de morrer, fica tranquilo”. Tenho planos de vida! Viajar, curtir meu marido, minha filha e ajudar o máximo de pessoas que eu conseguir, que é meu propósito! Porque agora eu estou muito dentro da palavra propósito! E sei que tenho um, e esse câncer foi um chamado! E vou seguir firme nele! 

Janaland E hoje o que eu você faz da vida?
Josélia: Meu marido e eu temos uma padaria em casa que eu ajudo. E quando comecei a me tratar, disseram que era para eu descansar, mas só que quando você deita e pensa “eu tenho só que descansar”, eu digo, que você tem que simplesmente obedecer ao seu corpo. Se ele está cansado deita, se não vamos à luta! A vida continua! Porque se você começa a deitar, você não levanta mais! E vem os pensamentos de entrega. Então eu digo: “Ativo! Você tem que ficar o tempo todo ativo!”. Dia 07 (de junho) fazem três meses que tirei a mama e faço de tudo um pouco! Em casa, na padaria. A única coisa que ainda não fiz e que estou morrendo de vontade é nadar, estou louca para nadar, porque eu amo! Mas agora começo a radioterapia e tem coisas que preciso cuidar e não posso fazer.
Josélia começa agora as sessões de radioterapia, que serão 25 sessões, sendo uma por dia.  

Janaland Tem algum grupo de apoio que conhece e possa ajudar outras pessoas na mesma situação, fora seu grupo de WhatsApp?
Josélia: Tem um grupo de apoio que estive lá e achei interessante, mas não participei por achar e sentir que não que precisava e que tem pessoas que precisam mais que eu, estaria tirando a vaga de quem precisa mais que eu, que é o MT Mama, que é uma associação com muita ajuda, como psicólogos, reiki, hidroterapia, palestras. 

Janaland E para quem está na mesma situação que você, que passou por um diagnóstico, está em tratamento, retirou ou vai retirar a mama. O que diria para essa pessoa?
Josélia: Não desista! Viver cada dia, aproveita até o último segundo daquele dia! Vai rir, vai cantar! “Ah, não tenho muitos amigos”. Chega em casa, liga o som, bota uma música que você gosta de ouvir, vai limpar a casa, deitar na cama, escuta sua música. Curte cada minuto daquele dia! Mesmo que o médico diga “não tem o que fazer”, procure ser feliz! 

 Josélia e seu esposo Roberval - Arquivo Pessoal

Agradeço a Jô por se abrir para mim com tanta sinceridade e coração aberto. Gratidão!


Obrigada a quem ficou até aqui e sinta a vontade para espalhar essa linda história de perseverança.

Imagens: Jana Arruda, arquivo pessoal, Jéssika Arruda 

A entrevista aconteceu em um final de semana de família reunida para as comemorações de aniversário no meu avô. Sentamos embaixo de uma árvore, perto do rio e a conversa fluiu. Minha irmão fez esses registros enquanto acontecia. Amei demais! Obrigada Xu!

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