Disney, não — galinhas no porta-malas: quando aprendi o peso do dinheiro

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Os 15 anos que imaginei que poderia ter versus os 15 anos que eu tive 

Como descobri o peso do dinheiro ainda criança — e aprendi que nem todo sonho cabe no orçamento e que a Disney não era para mim.

A primeira coisa que me vem à mente, minha mais antiga memória com dinheiro é do meu pai com um bolo de dinheiro nas mãos e a gente correr para o mercado gastar porque no dia seguinte ele já não valeria mais a mesma coisa. Estávamos nos anos 80, no plano Collor que congelou e sequestrou a poupança de milhares de pessoas no Brasil. A inflação estava fora de controle e os preços eram reajustados diariamente. Por isso o bolo de dinheiro – que não valia muito e valeria menos no dia seguinte – e a corrida desenfreada para garantir os itens de consumo básico antes que aumentassem de preço.

A segunda lembrança que tenho e foi nesse momento que entendi a diferença de classes sociais e que eu fazia parte da classe pobre. No ensino médio eu passei em um processo seletivo para estudar em uma escola de ponta, federal, gratuita. Acontece que nela, a antiga Escola Técnica Federal, hoje Cefet, diferente da minha escola de bairro que estudei a vida toda e tinha em sua grande maioria pessoas da mesma classe social que eu, na ETF havia jovens de todas as classes sociais, pois era uma escola muito requisitada e de prestígio.

Aos 14 anos fiz amizade com uma menina que não me lembro o nome, mas que claramente vinha de uma família com recursos financeiros. Tinha Tamagoshi assim que lançou, os melhores cadernos, estojos e mochila descolados. A minha? Uma horrível, gigante, azul marinho com vermelha que certamente duraria todo meu ensino médio – spoiler: durou.

Essa minha amiga iria ganhar de presente de 15 anos uma viagem à Disney, e como eu também ia fazer 15 anos naquele ano, ela me convidou a me juntar a ela nessa excursão por meio de uma agência de viagens.

Inocente, fui falar com meus pais meus pais que queria esse presente de 15 anos, se hoje eu rio da situação absurda que coloquei meus pais por não ter noção da nossa realidade financeira, na época eu achei que simplesmente era possível um vendedor de espetinho que mal tirava R$ 30 por dia livres e uma secretária escolar bancar uma viagem dessas.

Meu pai, meio desconexo da realidade que nem eu – tenho quase certeza de que ele é bipolar também – coitado ainda foi na agência para ver o valor de quanto sairia esse presente para sua filha primogênita.

Esse mesmo pai que trocou nosso animal de estimação, uma pastora alemã de 5 anos por um porta-malas cheio de galinhas, que vendeu nossa casa no interior por apenas R$ 3.000,00 e, ainda parcelado, foi a uma agência de viagens perguntar o valor de um pacote para Disney.

Não me lembro se eu fui, tenho umas lembranças de ter entrado em uma agência de viagens gigante em Cuiabá, mas pode ter sido de outro momento. Mas acho que fui com ele.

E então, descobrimos finalmente o valor do pacote: R$ 15.000,00 que vejam bem, poderia ser divido em parcelas de R$ 4.500,00 (não lembro quantas). A memória pode estar um pouco nublada, talvez fosse uma entrada alta e o resto em parcelas menores, mas o que descobri naquele dia: isso nunca seria para mim. Não ao menos naquela realidade financeira e classe social que eu existia. Quinze mil reais em 1996 para uma família de 5 pessoas que sobrevivia com o salário de secretária da minha mãe e dos trocados que sobravam da venda de espetinho pelo meu pai. Totalmente fora da nossa realidade! Um sonho praticamente impossível de ser realizado.

Naquele momento eu tive meu grande primeiro choque de realidade. Não culpei meus pais por não serem capazes de me dar esse presente de aniversário de 15 anos, eu entendi que o que eu sonhava estava muito distante da nossa realidade financeira, que mal poderia pagar um bolinho na nossa casa mesmo, cujas paredes sequer tinham tinta, eram apenas cinzas do reboco de cimento.

Hoje, olho para aquela adolescente com ternura. Não fui à Disney, mas viajei por caminhos que ela nem ousava sonhar. Ainda luto todos os dias para romper os muros invisíveis da classe, da origem, da falta. Mas aprendi a transformar ausência em impulso, e frustração em força. Talvez, só talvez, meu passaporte carimbado ainda venha, não como presente, mas como conquista.

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